Realização, pedagogia, criação e exibição de audiovisual.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Entrevista Exclusiva com Luciana Coló.


Ver Luciana Coló cantando é uma experiência única. A performance impecável a voz abrangente e profunda traz alegria e nos faz mergulhar na essência de uma letra, uma melodia e um pensar/existir musical.
Para o projeto Cinema Possível é um prazer, uma honra, ter criado dois "cine clipes possíveis" para duas de suas músicas: "Estrela Fria" e "Revolução Mínima". Esta última compõe a trilha sonora do primeiro filme coletivo do projeto Cinema Possível: "Enigma - O Codigo de Hayan Rúbia".


Jiddu Saldanha – Como foi que você começou a se apaixonar e se dedicar à música?
Luciana Coló - Na minha infância, minha mãe cantava e tocava acordeon, piano e violão, porque o pai dela, meu avô, acompanhava no violão, no bandolim e no cavaquinho a minha avó, que cantava lindamente; por sua vez, as irmãs e a mãe de meu avô tocavam piano, e o pai de meu avô compunha no piano... (Este piano, que vem lá do final do séc.XIX e as partituras colecionadas pelo meu bisavô estão por acaso aqui na minha casa... Nada é à toa, o acaso tem casa no Firmamento.)
A minha história anterior a essa eu não sei, provavelmente a minha (a nossa!) musicalidade venha das influências afro-luso-indígenas. E a musicalidade desses povos mais antigos venha do movimento-som do mundo que, provido de sentido, virou música... :
Tenho a impressão que o silêncio amoroso gerou o primeiro movimento com um som intrínseco a ele. A constância desse movimento foi dar na pulsação. Nesse ponto já havia o envolvimento, impossível retornar ao vácuo, ao vazio, à ausência, ao não-ser... E como nenhum envolvimento é sereno, a pulsação também quis movimentar-se e virou ritmo. A melodia foi uma dádiva, veio em seguida junto com a voz da mãe. E veio o apoderamento de tudo isso com a descoberta do corpo, da voz e de seus movimentos. E da junção de corpos, de vozes e movimentos surgiu a harmonia. Depois veio o verbo, o pensamento e o questionamento. O horizonte infinito sendo quase tocado e sendo também o limite. O amor possibilitou o vôo e a paixão aprisionou o corpo, ou não será o contrário, não sei.
 A música me liberta de minha condição finita, miserável, presa no espaço e no tempo do aqui e agora, me levando a lugares e experiências não alcançadas de outro modo, me levando a Deus, à comunhão com os seres, ao apoderamento do mundo, à construção da identidade, à sensação de totalidade, à vivência plena. Acho que o ovo nasceu muito antes da galinha...
Sou cantora, compositora-aprendiz, tenho três trabalhos em andamento: sambas de breque interpretados de modo teatral, composições autorais partindo de poemas de outros autores e letras que escrevi ao longo da vida, e um bloco que canta e toca Chico Buarque de Hollanda! O poeta, a criação e a malandragem compõem meu universo temático. Venho me apresentando principalmente em casas de show, centros culturais e projetos musicais no Rio de Janeiro. Estou em fase de gravação de meu primeiro CD autoral: "O Mar e seu Sol". Em 2005, fui classificada ao Prêmio Visa de melhor intérprete.

"A música foi dada aos homens para eles poderem compreender, nessa experiência imediata, que o presente é o ponto em que o tempo toca a eternidade."   (Elizabeth Sombart)

"Os astros tocam música"!    (José Miguel Wisnik)

"O silêncio é a voz do Universo. O som, a manifestação do silêncio. E        a música, sua expressão definitiva."   (Elizabeth Sombart)

JS – Como é a experiência de cantar no “Mulheres de Chico”, um grupo que está cada vez mais se afirmando no cenário musical carioca?
LC - Tem um lado terapêutico por ser um grupo grande,  só de mulheres. Acho que evoluí como ser-humano: aprendi a ouvir críticas sem me abalar tanto, a brigar pelo que acredito, a ter coragem  de dizer o que penso, e a ceder também.
Musicalmente aprendi e continuo aprendendo a cantar junto com a massa sonora da bateria, a interagir com essa pressão e diversidade rítmicas que toca diretamente o coração, que age sobre a nossa pulsação interna. É forte.
E também é muito bom cantar para platéias maiores, porque há uma interação, uma comunicação entre palco e platéia, entre música,intérprete e ouvinte, e a união faz a força, quanto mais gente, mais forte fica essa química... É mágico.

"Entre o amor e a morte, a arte!"
"Arte é a contribuição milionária de todos os erros." (Oswald de Andrade)

JS – Existe um estilo musical de sua preferência? Ou você canta de tudo? O que te instiga a chegar a um certo repertório?
LC - Existe! Amo a música popular brasileira da década de 60/70/80, acho que porque cresci ouvindo ela, além dela ser foda mesmo! Tom,Chico, os Tropicalistas, Novos Baianos, Secos e Molhados, Clube da Esquina, João Bosco, Paulinho da Viola, Ivan Lins, Rita Lee, as intérpretes maravilhosas: Elizete Cardoso, Clara Nunes, Elza Soares, Nara Leão,Gal Costa, Maria Bethânia, Elis Regina, e também o samba e o baião que veio antes da MPB e a influênciou fortemente: Noel,Cartola, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Caymmi, etc etc etc...e o que veio logo depois, a vanguarda paulista: Luiz Tatit e o Rumo, Premeditando o Breque, Língua de Trapo, Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, José Miguel Wisnik, a nova geração de compositores do Rio de Janeiro: Raphael Gemal, Pedro Luís, Edu Krieger, Rodrigo Maranhão, Augusto Bapt, Adriana Manhani, Pedro Holanda, Marcelo Caldi...

O que me instiga a chegar a certo repertório é o mundo novo que ele me revela e fascina, mas também às vezes chego a ele através do acaso... Por exemplo, fui apresentada ao Samba de Breque pela minha primeira professora de canto,  Ângela Herz, e pelo Fred Paredes, cantor e bailarino, que diziam que eu era engraçada e tinha tudo a ver comigo aquele samba cheio de humor e malícia que conta as peripécias do malandro da década de 30/40, ainda com aquela esperteza ingênua do início do século (passado...). Eu amei, e canto desde o início de minha carreira até hoje. Aliás, tenho um show só composto de sambas de breque e de humor.
Gosto também de cantar a música que componho: miúda mas bela. Em geral, poemas que musico, ou letras que guardei da época da minha adolescência (quando escrevia muito) e as reinventei, transformando em música.

JS – O que você lê? O que você ouve? O que você tem descoberto ultimamente no teu universo artístico como fonte inspiradora da tua criação?
LC - Gosto de ler poemas, crônicas, pensamentos. As últimas coisas que li foram Clarice Lispector, Manoel de Barros e Emily Dickinson. E também o poeta Duda Teixeira. Adorei. Preciso ter tempo (interno, de criação) para musicar alguns dos poemas que li.
Continuo ouvindo os compositores e intérpretes que citei anteriormente e também novos compositores e intérpretes, principalmente através da Internet, este novo meio de comunicação tão amplo e democrático. Para citar alguns dos novos: Valéria Lobão, Aline Germani, Maíra Martins, Marianna Leporace, Mariana Baltar,Edu Kneip, Thiago Amud, Ceumar, tem mais... 

JS – Você gosta de fazer parcerias? Quais as parcerias ao longo da tua carreira que você gostaria de lembrar nesta entrevista?
LC - Acho que a minha principal parceria são com os poemas, quando um poema me toca de uma maneira apaixonada, tento musicá-lo, para que ele entre em mim, literalmente; não me basta lê-lo em silêncio, quero sentir através do poema, ser o poema, e só a voz nos possibilita essa vivência, ainda mais a cantada, que soa e ressoa, e pulsa como nossos corações...
"A música não é para ser ouvida, é ela que nos ouve."
(Murray Shaffer)
Mas também quero falar do meu parceiro, companheiro, pai de meus filhos, Raphael Gemal, um puta músico, compositor de letras, melodias e harmonias lindíssimas. Tenho algumas parcerias com ele.

JS – Quais são as perspectivas, planos e sonhos que você projeta para a sua carreira?
LC - Terminar de gravar o meu CD autoral e fazer um lindo show de lançamento;
Gravar também o meu CD de Sambas de Breque;
Participar do projeto de outros artistas com a minha música, por exemplo, do projeto da criação de um filme sobre uma poetisa fictícia liderado por Jiddu;
Conseguir patrocínio para viajar o mundo cantando,
Ou viajar o mundo cantando sem patrocínio mesmo...;
A minha música fluir como um rio e seus afluentes ou me deixar fluir através da música.

"Sonhar é acordar-se para dentro" (Mário Quintana)

"Ti a mim, me a ti, e tanto" (Guimarães Rosa)

"Metade de mim em você e metade de você em mim."
(saudação dos índios Kashinavá)


Luciana Coló por Luciana Coló :

Lúdica, leiga, leve, larga, luminosa, lunar
 Utópica, única, úmida, umbrática, ululante
  Cismada, carminada, colérica, comilona, colhedora
   Indisciplinada, intensa, instável, inventiva, inexplicável
    Apaixonada, alheia, ampla, antagônica, animal
     Niveladora, nostálgica, normal, nublada, novelesca
      Amanhecida, amendoada, aluada, alumiada, antitética

        Cármica, cósmica, compatível, complementar, complicada
     Ondulante, oscilante, onomatopéica, odienta
   Lenta, libertária, literária, longe
 Óbvia, onírica, original, oca, outonal


Obs: "Tudo é possível. Só eu impossível." (Drummond)



Sou uma cantora dramática e cômica.
As minhas influências foram Elis e Bethânia, que tem uma interpretação mais "teatral". Mas adoro os agudos, e a dramaticidade e lirismo contida nesses agudos, de Gal Costa, Tetê Espíndola e Ná Ozzetti, por exemplo.
Exemplos é que não faltam no Brasil e no mundo.
Mas a minha influência maior foi a de quatro compositores: Chico, Caetano, Gil e Milton. Através deles aprendi a amar a palavra poética e cada som provindo dessa poesia.
Canto poemas porque música é tudo junto: som e sentido, verbo e melodia.
Arte é saber de si e esquecer um pouco os outros para poder reencontrá-los de uma outra maneira, inesperada e boa, muito boa.
Escolhi cantar poemas por causa da carga dramática - neles, tudo o que se diz é essência, comunica fortemente; e também por causa da possibilidade de significações, sentidos ocultos, o mistério, o devir, a parceria autor-leitor.
Porque estudei teatro e tenho essa necessidade do falar dramático, e cômico, que é o outro lado da moeda...
Por isso canto também samba de breque, o samba que conta de modo caricato as peripécias do malandro, o anti-herói carioca, o arquétipo do brasileiro. E que tem espaço para a fala improvisada do personagem nos breques da música!
Porque no processo de formação do meu EU escrevi muito, pensei sobre o dentro das coisas, o sentido da vida, o sentimento que habita em nós, e hoje não escrevo mais, pelo menos não tanto quanto escrevia, e preciso resgatar o verbo em mim, resgatar o falar profundo das coisas para poder agir sobre elas.

"O tempo não existe. A música é a metáfora do tempo e o tempo é a metáfora da eternidade".





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